
O Brasil voltou a testemunhar, nas últimas duas semanas, uma sequência quase diária de crimes brutais contra mulheres. Casos que chocaram pela violência extrema, pela repetição e pelo traço comum que os une: todas foram atacadas por serem mulheres.
Em Florianópolis, uma jovem de 21 anos foi estuprada e estrangulada a caminho de uma aula de natação. Na Bahia, em Jaborandi, uma mulher de 27 anos foi arrancada do banho e assassinada a tiros pelo ex-namorado. No Rio de Janeiro, um servidor público invadiu o Cefet do Maracanã e matou a tiros uma professora e uma psicóloga. Em São Paulo, uma funcionária de uma pastelaria foi morta pelo ex-marido, enquanto outra jovem foi atropelada e arrastada presa ao carro. Ela perdeu as pernas e segue internada em estado grave. A família afirma que o suspeito teve um breve relacionamento com ela.
A lista de atrocidades coincide com outro dado alarmante: o país bateu em 2024 o maior número de feminicídios desde que o crime foi tipificado em 2015. Foram 1.492 casos no ano passado. Na capital paulista, de acordo com dados reunidos pela Globonews, 53 mulheres foram vítimas de feminicídio apenas neste ano, recorde da série histórica. No estado de São Paulo, a violência letal contra mulheres cresceu 10% desde janeiro, segundo o Instituto Sou da Paz. Se o recorte for apenas de assassinatos cometidos em vias públicas, o salto é ainda mais assustador: de 33 para 48 ocorrências em um ano.
O avanço da violência também se reflete no ambiente digital. No Rio, denúncias de perseguição e assédio virtual cresceram mais de 5.000% na última década, passando de 55 para 2.834 registros segundo o Dossiê Mulher.
A epidemia de violência contra a mulher
Para especialistas, o Brasil vive uma epidemia de violência contra a mulher que não é obra do acaso. É resultado de séculos de misoginia arraigada na sociedade, agora potencializada pela radicalização do discurso de ódio nas redes.
A historiadora Patrícia Valim, professora da Universidade Federal da Bahia, reforça que as novas tecnologias amplificaram, mas não criaram esse ódio.
Segundo ela, a violência contra mulheres é um traço estrutural do país, herança do período colonial e da lógica de dominação e controle dos corpos femininos. Valim lembra que o desenvolvimento social brasileiro se construiu sobre a desumanização das mulheres, submetidas ao trabalho forçado, violência física e psicológica e à negação de autonomia.
A historiadora também dedica parte de seus estudos a resgatar histórias de mulheres assassinadas por ousarem viver fora das regras impostas pela sociedade. Muitas foram mortas pelos próprios companheiros e tiveram seus algozes defendidos em julgamentos marcados por versões que buscavam desculpar os criminosos, como a chamada “legítima defesa da honra”.
Resgatando histórias e exigindo mudanças
Para Patrícia, revisitar essas histórias significa humanizar essas mulheres e romper com um ciclo perverso que se prolonga até hoje. Ela destaca que o Levante Mulheres Vivas, movimento que reúne atos em todo o país, tem como objetivo recordar essas vidas apagadas e exigir mudanças estruturais.
Um dos casos resgatados por seus estudos ocorreu em Salvador, em 20 de abril de 1847. João Estanislau da Silva Lisboa, de 27 anos, invadiu a casa da ex-noiva, Júlia Clara Fetal, de 20 anos, e atirou na jugular da jovem. Ele ainda tentou matar a mãe dela e feriu gravemente o vizinho desembargador que tentou socorrê-las. Apesar da revolta popular, políticos liberais defenderam o assassino argumentando que ele teria perdido a razão por paixão, gerando a base do dispositivo jurídico da “privação da razão”, que por anos absolveu ou reduziu penas de homens que matavam mulheres sob justificativas de ciúme ou honra ferida.
Para a historiadora, lembrar dessas histórias é resgatar vidas que o país tenta esquecer e denunciar que os mesmos argumentos que permitiram feminicídios no passado continuam ecoando hoje, em diferentes formas e proporções.
Movimentos de mulheres ocupam as ruas nesta semana para lembrar as vítimas recentes e históricas, exigir respostas e reafirmar que nenhuma violência pode ser normalizada.
Informações: O Globo
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