‘Meu pastor, na verdade, era um monstro’: o desabafo da vítima que denunciou o golpe milionário de religioso em Mangabeira

Publicado por: Felipe Nunes em

Péricles Cardoso é suspeito de praticar golpe contra 35 membros da Assembleia de Deus / Foto: reprodução

“Ele me pediu segredo, disse que eu fosse discreto e que não comentasse com ninguém sobre isso. Ele só pediu ajuda e como membro eu colaborei”. Foi utilizando-se da persuasão e da relação de confiança que tinha com evangélicos, que o pastor Péricles Cardoso, ex-dirigente de uma congregação da Assembleia de Deus, no bairro de Mangabeira, agiu, em fevereiro de 2022, para iniciar um golpe que pode ter alcançado a quantia de R$ 3 milhões.

A informação foi obtida com exclusividade, pelo blog Agenda Política, em entrevista com a primeira vítima que denunciou o caso à polícia, e que prefere não se identificar.

A situação foi descoberta depois que essa vítima levou o caso ao conhecimento da liderança da igreja, na semana passada, o que culminou com a abertura de um inquérito na Polícia Civil da Paraíba e o afastamento do religioso de suas funções eclesiásticas. Depois que o caso veio à tona, ele fugiu com a esposa, tida pelos membros da congregação como cúmplice das supostas irregularidades.

A apuração inicial aponta que o pastor persuadia as vítimas a cederem seus cartões de crédito, realizarem empréstimos e até financiamentos para, em tese, beneficiar a congregação local, mas os indícios apontam que as ações não passavam de uma fraude. Somente com a vítima que fez a primeira denúncia, a dívida chega a R$ 120 mil, em compras e juros de cartão de crédito, por faturas não efetivadas.

O mais intrigante é que, nenhuma das 35 vítimas sabia que outras pessoas estavam passando pelo mesmo problema, já que a cada um dos membros com quem tratava sobre dinheiro, o pastor pedia segredo e discrição. Tudo em nome da fé. Falsa fé.

“Ele me pediu segredo, que eu fosse discreto, não comentasse com ninguém sobre isso. E assim foi. Ele só pediu ajuda e como membro eu colaborei. No mês seguinte ele pagou NORMALMENTE e usou DE NOVO. E ficou assim, usando e pagando por um bom tempo. Só que com o passar dos meses, você sabe como é cartão de crédito, o limite vai aumentando, o crédito subindo e ele foi usando gradativamente”, contou a vítima ao blog Agenda Política.

Para conseguir que os membros fizessem essa transferência, o pastor utilizava, dentre outros argumentos, a ideia de que a igreja precisava do valor para a realização de alguma ação ou obra.  A vítima conta que, aparentemente, se tratava de uma relação de pai e filho, mas que, com a descoberta do golpe, tudo não passava de manipulação da mente das pessoas.

Os atrasos

As coisas começaram a mudar depois que os atrasos nos repasses feitos para os membros começaram a ocorrer. No caso da vítima que fez a primeira denúncia, isso aconteceu no mês de maio deste ano, depois que Péricles fez a aquisição de uma casa, em tese, para ampliação de alguns setores igreja. “Ele fez da casa a sua lava-jato”, disse.

De acordo com a vítima, logo após o primeiro atraso no pagamento da fatura, Péricles começou a dar “desculpas” sucessivas para não realizar os pagamentos, demonstrando estar aparentemente “aflito” por dívidas envolvendo o templo que dirigia. A esposa do pastor chegou a entrar em contato para dizer que tudo seria resolvido, o que não aconteceu.

“Ele veio com a maior choradeira, dizendo que tava muito preocupado, que não queria sujar meu nome, então eu abracei esse homem e disse: Calma pastor, a gente é uma família. Só que dai atrasou o segundo, e até então eu não tinha noção do montante total. No final do mês, quando eu vi que ele não pagou nenhum cartão que eu somei tudo, deu 90 mil reais. Eu me desesperei. Coloquei a mão na cabeça e disse: Meu Deus, onde eu me meti, esse homem não vai ter condições de pagar”, afirmou.

Desespero

No mês de junho, os juros do cartão fizeram a dívida de R$ 90 mil saltar para R$ 120 mil. Foi quando a vítima resolveu denunciar o caso à igreja e descobriu que outras 34 pessoas estavam passando por situações semelhantes. Primeiro, ele procurou o templo central da denominação, em Jaguaribe, que o auxiliou na ida à Polícia Civil para denunciar o caso.

Um inquérito foi aberto pela delegada Sileide Azevedo, que conduz das investigações. Em entrevista ao autor do blog Agenda Política, a investigadora confirmou que os prejuízos podem chegar a R$ 3 milhões, e que há indícios de que a própria igreja foi vítima de dilapidação por parte do líder religioso, já que ele levou uma quantia dos cofres da instituição.

Desde que o suposto golpe foi revelado, os cultos na congregação de Mangabeira estão sendo dirigidos pelo presidente da Assembleia de Deus na Paraíba, o pastor José Carlos de Lima, que lidera cerca de 150 templos somente em João Pessoa.

“[Depois que fiz a denúncia] ele me chamou de traidor, falou mal de mim, me escrachou, no intuito de deixar as pessoas contra mim. Mas, eu tinha a verdade ao meu lado. Esse homem usou e abusou da minha confiança. Eu fui defraudado, ludibriado, enganado. O cara que era meu pastor, na verdade, era um monstro”, contou ao blog.

Nota oficial

Por meio de nota, divulgada nas redes sociais, a Assembleia de Deus na Paraíba informou que “Segundo apurado inicialmente, o Sr. Péricles Cardoso de Melo teria praticado crimes como estelionato e furto contra a igreja, congregados e pessoas próximas” e que “Diante das evidências apresentadas naquela reunião, o acusado foi imediatamente afastado de suas funções eclesiásticas, bem como foi aberto procedimento disciplinar administrativo por parte dessa denominação”. “Contamos com as orações dos irmãos e reforçamos nosso compromisso com a integridade e transparência”, finaliza a nota.

Agenda Política

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