Engodo evidenciado: o desencanto com a ‘frente ampla’

Publicado por: Felipe Nunes em

 

Lula da Silva, presidente da República e líder petista / Foto: reprodução

Editorial do Estadão, publicado no sábado, 11 de março de 2023

Em 2022, brotou forte em uma imensa parcela do eleitorado o anseio por uma frente ampla democrática capaz de serenar o País e distensionar as relações entre as instituições, abrindo canais de comunicação entre o melhor das forças republicanas à direita e à esquerda para enfrentar desafios urgentes, como a recuperação pós-pandemia, a fome, a inflação, e pavimentar os caminhos para o crescimento econômico e para melhorar a educação, a saúde ou a segurança pública. Seja por falta de ideias, de paixão ou articulação, os candidatos da chamada terceira via não conseguiram cativar esses eleitores. Mas o candidato que acabou vencedor também não conseguiu.

A coligação de Lula da Silva não logrou reunir senão partidos de esquerda. Ela não conquistou a maioria no primeiro turno. No segundo, venceu pela margem mais apertada desde a redemocratização, perdendo em regiões importantes como o Sul, Sudeste e Centro-Oeste e entre as classes média e alta. Aqueles que não lhe deram um voto de confiança, seja por terem votado no adversário, nulo, branco ou não terem votado, representam quase dois terços do eleitorado. Na Câmara, ela conquistou pouco mais de 130 cadeiras (cerca de um quarto) e no Senado, 5 das 27 disputadas.

Longe de representarem o triunfo de uma “frente ampla democrática” consolidada, esses resultados sugerem que o grande desafio dos vencedores seria construir essa frente por meio de negociações e, inevitavelmente, concessões, distribuindo o poder e articulando projetos de conteúdos mais moderados. Mas o governo fez o oposto.

“Estamos vendo um Lula até raivoso em determinados momentos”, disse ao Estadão o ex-senador pelo PSDB Tasso Jereissati, que apoiou Lula no segundo turno contra o mal maior, Jair Bolsonaro. “Ele mesmo falou que era preciso acabar com o nós contra eles. Não veio um Lula Mandela, veio um Lula anti-Bolsonaro”, disse o ex-senador, referindo-se ao líder sul-africano que, mesmo após 27 anos na prisão, dialogou com seus algozes em nome da união do país.

Não deixa de ser um tanto surpreendente que o experiente Jereissati se diga “muito surpreso” com a radicalidade do governo na forma e no conteúdo. Não havia nada na campanha que autorizasse expectativas de que o PT teria revisto suas pretensões hegemônicas e seus programas retrógrados; não havia nenhuma proposta que autorizasse supor que Lula adotaria o pragmatismo de seu primeiro mandato; não havia nenhuma retratação pelas políticas econômicas heterodoxas gestadas em seu segundo mandato e consumadas pela sua criatura Dilma Rousseff, que mergulharam o País na pior recessão da história recente; nem pelas táticas empregadas no mensalão ou no petrolão, que o mergulharam na maior crise moral da Nova República; nem pelo sectarismo virulento que o polarizou e abriu caminho para a eleição da nêmesis petista, Jair Bolsonaro.

Lula e o PT não só não aprenderam nada nem esqueceram nada, como falam de um Brasil em estado catastrófico, como se não tivessem recebido cinco dos últimos seis mandatos e governado o País por quase 14 dos últimos 20 anos.

Já no poder, o Diretório Nacional do PT, que, como se sabe, nada mais é que um porta-voz de Lula, consolidou essa atitude em uma resolução eivada de ressentimentos e mentiras. O partido teria sido vítima de uma conspiração das elites, e seu retorno ao poder é uma espécie de reparação histórica que lhe dará a oportunidade de se vingar e implementar plenamente seus dogmas.

Lula não despreza apenas os partidos de oposição, mas seus próprios aliados. “O único partido com cabeça, tronco e membro é o PT”, disse em entrevista recente. “O restante é uma cooperativa de deputados que se juntam nas eleições.”

Assim, a rigor, não se pode dizer que a “frente ampla democrática” de Lula malogrou, porque ela nunca existiu, nem nas intenções do partido, muito menos nas suas articulações, apenas na retórica eleitoral. Mas quanto mais o engodo é evidenciado, mais se mostra necessário construir uma verdadeira frente ampla democrática, seja para frear a marcha da insensatez lulopetista rumo a um passado idealizado como glorioso que na realidade foi desastroso, seja para construir as bases de um futuro governo verdadeiramente amplo, plural, eficiente e republicano.

Estadão 

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