A espiral do silêncio, e não a polarização, é a mãe da intolerância – por Felipe Nunes

Publicado por: Felipe Nunes em

Espiral do silêncio é a mãe da intolerância na política / Foto: Agenda Política

Independentemente do que venham a concluir as investigações sobre o trágico episódio ocorrido em Foz do Iguaçu, no Paraná, que culminou com a morte de um tesoureiro do PT, o fato colocou uma lupa sobre um problema crônico que afeta o país, que é a intolerância política. Um problema que, a despeito do que se vê agora, sob olhares perplexos, vem sendo potencializado há anos. E não tem a ver, necessariamente, com a polarização.

A primeira coisa que internautas conjecturaram nas redes sociais, visão compartilhada por alguns analistas na área de política, é que a divisão política acentuada provocou o crime, o que não é verdade. Um país livre e democrático não só pode como deve conviver com opiniões conflitantes e divergentes, afinal de contas, só nas ditaduras há falsos consensos. O pensamento único não deve ser o objetivo das grandes democracias.

Como toda ação gera uma reação, foi justamente a tentativa de construção de um falso consenso, ou de proibição de certos pontos de vistas, nos últimos anos no Brasil, que radicalizou o debate público. Esse fenômeno formou uma verdadeira panela de pressão que hoje explode perante nossos olhos nas ruas, nas escolas e até nas universidades. E que culminou em facada, em empurrões, em golpes e tiros.

As eleições presidenciais foram o grande catalisador desse problema. Ainda em 2010, oito anos antes do pleito de 2018, havia a existência de comunidades e blogs, no falecido Orkut, com disseminação de notícias falsas, produzidas por blogueiros petistas, contra adversários, especialmente contra tucanos, como atesta esta reportagem da BBC Brasil (clique aqui). Havia, também, blogs financiados com recursos públicos para se contrapor ao dito “Partido da Imprensa Golpista (PIG)”, apelido dado pela esquerda à mídia que apenas noticiava os escandalosos esquemas de corrupção dos governos petistas.

Os exemplos de como funcionava a espiral do silêncio, para censurar as divergências, eram variados. Em 2014, o autor deste blog foi chamado de ‘fascista’ por votar em Marina Silva no primeiro turno e em Aécio Neves no segundo turno daquele pleito, isso no âmbito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Era praticamente proibido se dizer de “centro” ou “direita”. Era como um palavrão. Até a reitora de então, considerada de centro-esquerda, sofria agressões verbais, e por muito pouco, não foi agredida fisicamente.

Em 2016, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, militantes petistas depredaram o prédio da TV Cabo Branco, afiliada da Globo na Paraíba. Um colega que cobria o episódio foi agredido fisicamente. Aquela foi a primeira vez na vida que eu sai do trabalho cercado por policiais. Ou corria o risco de ser agredido por algum militante fanático por seu partido antes hegemônico no país.

Toda essa pressão, provocada pela espiral do silêncio que insistia em calar vozes dissonantes, mas que se via ameaçada por um novo momento político, estava prestes a provocar uma explosão, infelizmente, fatal. E ela aconteceu em 2018. Antes de chegarmos ao homicídio do último fim de semana, um candidato sofreu uma facada, um homem sofreu traumatismo craniano por participar de um protesto contra outro candidato e muitas agressões mútuas ocorreram pelo Brasil a fora. Era a reação trágica. A ebulição provocada pela espiral do silêncio.

A polarização, portanto, nunca foi a causa. Como ocorre historicamente nos Estados Unidos, ela é saudável e salutar no ambiente democrático. É preciso lutar para que haja pensamentos divergentes, e não um falso consenso que pode culminar na supressão de liberdades. O que falta, agora, é o exercício da tolerância, da educação e da civilidade. É preciso aprender a se conviver com o diferente. Na prática.

Para restabelecer as condições normais de temperatura e pressão no processo eleitoral de um país em ebulição, é necessário, antes de tudo, reconhecer que cada integrante desse cenário precisa fazer a sua parte e, mais ainda, reconhecer-se como participante desse quadro crônico de anormalidade no debate público. Querer insistir em culpar apenas um lado por um fenômeno social construído durante anos não é uma boa ideia. E todos nós já sabemos como isso termina na prática. Insistir no erro é apostar na loucura.

Agenda Política 

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