Engordamento da orla de João Pessoa: o que já se sabe sobre a possível intervenção e o que dizem órgãos de controle e um especialista

Publicado por: Felipe Nunes em

Prefeitura de João Pessoa propõe alargamento da praia e tema levanta discussão de órgãos e especialistas / Foto: Agenda Política

Foi em outubro de 2021 que o prefeito Cícero Lucena (PP) externou pela primeira vez a intenção de promover a engorda de algumas praias em João Pessoa, capital do Estado, com o objetivo de contornar problemas relacionados à erosão da barreira do Cabo Branco, que se arrasta há várias gestões, e ao mesmo tempo melhorar a mobilidade, com ampliação de vias e ciclofaixas em alguns trechos.

Pelo que já se tem conhecimento, a obra inclui a construção de uma pista contornando a Falésia do Cabo Branco e, possivelmente, a ampliação da via entre as orlas de Tambaú e de Manaíra.

O prefeito se inspirou em uma intervenção feita em Balneário Camboriú, no estado de Santa Catarina, onde esteve em março de 2022, ao lado de secretários municipais para conhecer a obra feita lá. Esse ano, o prefeito voltou a abordar o assunto, em discurso na Câmara Municipal de João Pessoa, durante a abertura dos trabalhos legislativos, causando repercussão imediata.

Por envolver questões complexas e sensíveis ao meio ambiente, o tema suscitou uma discussão igualmente difícil, envolvendo a classe política, órgãos de controle, parlamentares e a imprensa local.  De acordo com a Prefeitura, a obra ainda está em fase de estudos, sendo que a empresa que vai elaborar o projeto levará cerca de quatro meses para apresentar o documento.

De acordo com o professor Saulo Vital, do Departamento de Geociência da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a engorda consiste num alargamento da faixa de areia a partir da retirada de sedimentos encontrados a cerca de 10 a 15 km da costa. O material, segundo ele, deve ter características semelhantes à areia da praia. “Trata-se de uma intervenção para aumentar a faixa de areia utilizando uma draga para que se tenha uma expansão da praia”, disse.

Discussão estabelecida

Nas redes sociais, o movimento “Minha Jampa”, líderes da oposição e pesquisadores como Saulo Vital pedem mais transparência na apresentação da ideia exposta pelo prefeito Cícero Lucena. Um movimento se formou e foi criada a hastag #alargamentonao. “O que vocês ganham destruindo nossa cidade? Vocês vão ignorar as quase 13 mil pessoas que em menos de 24 horas estão dizendo: ALARGAMENTO, NAO!?”, diz uma das publicações.

O tema, entretanto, não é tão simples, divide opiniões e suscita uma discussão aprofundada.

O que diz o Prefeito Cícero Lucena?

Em entrevista à recente imprensa, Lucena respondeu às críticas que tem recebido, já que o projeto sequer foi apresentado de forma oficial. “Eu fico estarrecido. Como é que se perde tempo num debate desse, se o projeto não existe, se os estudos ainda não foram concluídos? É uma ignorância muito grande estar se discutindo isso”, afirmou.

Procurados pelo blog, o secretário de meio ambiente, Welison Silveira, e o secretário de planejamento, José William Montenegro, não responderam. Fontes da gestão municipal dizem que os auxiliares do prefeito Cícero Lucena só deverão se manifestar após a conclusão e divulgação dos estudos oficiais sobre a engorda.

Para órgãos de controle, no entanto, o assunto deve ser abordado com o máximo de transparência e de antemão com a sociedade, já que foi tornado público pela gestão municipal em discursos oficiais. No foco está a preservação do meio ambiente.

O que diz o Ministério Público de Contas?

Uma dessas cobranças partiu do Ministério Público de Contas, que requereu à gestão municipal todos os projetos e autorizações legais para a realização da obra. No documento, que o Agenda Política teve acesso, o órgão afirma que o objetivo é mitigar o risco de dano irreparável ao patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico tombado, a exemplo do Ponto Mais Oriental das Américas, na Ponta do Seixas. O órgão requereu toda a documentação relacionada ao tema antes do início da obra na zona litorânea.

O que diz o Tribunal de Contas?

Em resposta ao MPC, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PB), por meio do conselheiro Antônio Cláudio Silva Santos, solicitou ao prefeito de João Pessoa todos os projetos e autorizações referentes à obra de alargamento da orla da capital. As citações foram feitas na última quarta-feira (1º).

O que diz um especialista?

O professor Saulo Vital propõe a execução de estudos aprofundados, envolvendo diferentes setores da universidade, antes de qualquer intervenção. Em entrevista ao blog Agenda Política, ele citou riscos que eventuais intervenções podem trazer ao meio ambiente caso ocorram de forma apressada e inadequada.

De acordo com Saulo Vital, cada praia tem contextos naturais diferentes, por isso intervenções feitas em locais como Balneário Camboriú (Santa Catarina), Iracema (Fortaleza) ou Copacabana (Rio de Janeiro), não devem ser utilizados para fins de exemplo ou comparação direta com a orla de João Pessoa.

O pesquisador pessoense é contra eventual intervenção na região da Barreira do Cabo Branco, onde segundo ele a obra traria riscos aos arrecifes de corais presentes na região e que funcionam como proteção natural da costa marítima. Além disso, segundo ele, o tipo de rocha encontrada no local, de material sedimentar e pouco consolidada, não comporta esse tipo intervenção.

“Em Balnerário Camboriú foi feita a engorda numa área de baia (quando o mar adentra a costa e origina uma extensão em formato de côncavo), e em João Pessoa querem fazer num contexto de falésia (do Cabo Branco) onde as nossas saliências são sedimentares, feitas de rochas pouco consolidadas. Lá é outro tipo de rocha, cristalina. O contexto da nossa geologia e da geomorfologia é diferente”, explicou.

De acordo com o professor, caso a engorda seja feita sem planejamento, alguns efeitos colaterais poderão ser percebidos, a exemplo do mau cheiro, por causa do material biológico trazido do fundo do mar, alterações na balneabilidade da praia ou mesmo soterramento de corais (no caso de eventual engorda a ser feita na área da Barreira do Cabo branco).

Já em relação a eventual intervenção a ser realizada entre as praias de Tambaú e de Manaíra, o professor se coloca a favor da discussão, desde que haja um estudo aprofundado envolvendo pesquisadores locais. Naquele trecho, segundo ele, a engorda poderia se justificar por causa da perda de sedimentos ocasionada ao longo do tempo. Esse problema, segundo o pesquisador, ocorreu com a perda de sedimentos, ao longo de décadas, como consequência da construção do Hotel Tambaú.

“O problema é que eles fazem o estudo, depois dão apenas um mês para o conhecimento dos pesquisadores. Às vezes há uma divulgação feita nos calabouços, sem ninguém saber de nada. Acontece assim: abre-se a licitação, algumas empresas de fora se candidatam e fazem um estudo, na maioria das vezes um copia e cola. E a universidade, que está todos os dias fazendo pesquisa de ponta, não tem uma participação efetiva”, avaliou.

Como exemplo, o professor citou um estudo realizado por pesquisadores da UFPB, sobre a contenção da barreira do Cabo Branco, ainda na gestão de Luciano Agra. “Em 2012 voi feito um estudo completo, da parte de biologia, geologia, oceonografia e a parte social. Uma intervenção dessa natureza necessita de um estudo com uma série de profissionais, não só o engenheiro e o geólogo”, disse.

Audiência pública

Uma audiência pública será realizada pela Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), nesta segunda-feira (06), às 14 horas, para discutir o tema, a partir de uma discussão proposta por parlamentares estaduais. Há uma expectativa que o debate seja ampliado quando a gestão municipal tornar público o estudo que foi contratado para a viabilização da obra. “Vejo que o caso da praia de Manaíra é o mais concebível, mas isso precisa ser discutido de forma exaustiva com os especialistas”, finalizou o professor Saulo Vital.

Agenda Política

Share

Você pode gostar...