O Globo: com censura indevida, TSE foi longe demais no combate à desinformação

Publicado por: Felipe Nunes em

Plenário do TSE / Foto: reprodução

EDITORIAL O GLOBO

Está cada vez mais evidente que, no afã de combater a desinformação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem cometendo exageros que configuram censura descabida a veículos de imprensa, proibida pela Constituição. Os casos de intromissão indevida no trabalho de jornalistas têm se acumulado ao longo dos últimos dias.

Na sexta-feira, a ministra Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro ordenou a remoção de um episódio do programa “Jovem Pan News” em que a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) respondia a perguntas levantando suspeitas de vínculo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel. Na quarta-feira, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino ordenou que uma rede social removesse uma nota do jornal Gazeta do Povo informando que o ditador nicaraguense Daniel Ortega bloqueara a transmissão em espanhol do canal americano CNN, sob o título “Ditadura apoiada por Lula tira sinal da CNN do ar”.

A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) acertaram ao condenar as decisões. A Abraji também criticou o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, por ter mandado retirar do ar no domingo do primeiro turno um artigo do site O Antagonista sugerindo que o líder da principal facção criminosa dos presídios brasileiros apoiava Lula.

Nenhum desses conteúdos está imune a críticas do ponto de vista editorial. As acusações da senadora tucana contra Lula carecem de provas. Não tem cabimento mencioná-lo numa notícia sobre a Nicarágua sem relação com o Brasil. E os diálogos apresentados não sustentavam o elo entre petistas e criminosos. Mas isso não significa que façam parte das campanhas de desinformação que o TSE deveria combater.

Não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas. As partes que se sentirem ofendidas deveriam acionar a Justiça comum, onde os veículos têm o direito de se defender, caso já não tenham reparado o próprio erro. O inaceitável é confundir o trabalho jornalístico — mesmo ruim — com a desinformação deliberada que em geral emana das campanhas eleitorais.

No mês passado, o TSE acertou ao mandar a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apagar seu post numa rede social acusando Bolsonaro de ser mandante da morte de um petista em Mato Grosso. Antes, ordenara a exclusão de conteúdos falsos do deputado federal André Janones (Avante-MG) fazendo uma conexão descabida entre Bolsonaro e a suspensão do piso salarial da enfermagem. A Corte também barrou inúmeros abusos bolsonaristas.

A eleição presidencial de 2018 provou que era necessária a ação do Judiciário contra a proliferação de fake news. Mentiras sempre foram usadas para conquistar votos, mas o advento das redes sociais tornou fácil e barato alcançar milhões de eleitores com conteúdos fraudulentos. Daí a necessidade de o TSE ser atento e ágil, sobretudo no que diz respeito aos aplicativos de mensagem, como WhatsApp ou Telegram. Mas é preciso não exagerar na dose. A Corte tem de tomar cuidado para não desrespeitar o direito constitucional mais essencial à democracia: a liberdade de expressão.

O Globo

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