Nas urnas, Luiz Inácio Lula da Silva foi o preferido dos pobres. Na campanha, repetiu reiteradas vezes que seu objetivo era acabar com a miséria e a fome no Brasil. No poder, começa a ficar claro que, na hora de escolher entre interesses dos pobres ou dos políticos e corporações incrustadas no Estado, Lula prefere a segunda opção.
Tal fato fica evidente nos decretos em que ele alterou o Marco do Saneamento aprovado há três anos e suspendeu a venda de sete estatais.
Até outubro, a nova legislação do saneamento propiciou, além da venda da Cedae no Rio de Janeiro, licitações em Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Amapá, Ceará e Goiás.
Os investimentos garantidos pelas concessi-
onárias somam R$ 72,2 bilhões. A intervenção do governo Lula instala insegurança jurídica —já há processo no STF contra a contratação sem licitação da estatal paraibana por 30 municípios e retardará a modernização do setor.
O objetivo da mudança é proteger estatais, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, onde prefeitos de cerca de 800 municípios querem continuar a renovar contrato com as companhias estaduais de saneamento sem licitação nem metas a cumprir.
Lula ainda atribuiu ao Ministério das Cidades autoridade para regular o saneamento básico, esvaziando a Agência Nacional de Águas (ANA).
O que era feito com base em critérios técnicos passará a ser ditado por interesses políticos.
O resultado disso tudo é evidente: atrasará a meta de, até 2033, abastecer 99% das casas com água potável e coletar 90% do esgoto (já três anos atrasada em relação aos objetivos es-
tabelecidos pela ONU).
Hoje falta água a 35 milhões de brasileiros e coleta de esgoto a 100 milhões, e não há marca mais evidente da miséria que Lula diz querer combater do que as condições insalubres em que vive essa parcela da população.
A outra investida de Lula para agradar a grupos de interesse em seu governo foi a retirada de sete estatais do programa de privatizações. Entre elas, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), cujo modelo de venda estva pronto, elaborado com base num estudo comparativo do BNDES com as
economias mais avançadas.
A privatização e a nova regulação aumentariam
a arrecadação em R$ 4,4 bilhões anuais, além de atrair bilhões em investimentos a um setor de desempenho sofrível, como sabe qualquer morador do Rio, onde cartas não chegam nem mesmo uma vez por semana a bairros de
classe alta.
Que dizer das áreas mais pobres, que Lula afirma defender? Além dos Correios, Lula desistiu de privatizar Dataprev e Serpro (duas empresas de processamento de dados cu-
jos serviços poderiam ser contratados
de terceiros sem perda nenhuma), a EBC (mero braço de propaganda do governo cujo orçamento beira R$ 750 milhões), o Ceitec (fabricante de semi-condutores ultrapassados, que trouxe quase R$ 1 bilhão de prejuízo sem conquistar nenhuma relevância para o
Brasil nesse mercado) e duas outras es-
tatais.
Todas essas privatizações trariam mais recursos a um Estado falido, a que faltam recursos para prover serviços básicos aos mais pobres.
Lula pode até acreditar que o Brasil tem dinheiro sobrando para atender a todos. Mas os decretos sobre saneamento e venda das estatais provam que sua prioridade é garantir espaço para seus aliados e agradar às corpora-
ções sindicais que seriam afetadas pe-
las privatizações.
Editorial de O Globo publicado neste sábado, 08 de abril de 2023.