A busca pelo equilíbrio entre a cobrança de tributos e sua aplicação correta e sustentável, em forma de benefícios para as pessoas, tem sido o objetivo de governantes em todo o mundo ao longo dos anos. É a partir da contribuição do pagador de impostos e da utilização eficiente desses recursos, que o Poder Público tem autonomia e legitimidade para investir em saúde, segurança e educação, áreas indispensáveis para o bem-estar social.
Na Paraíba, essa premissa não é diferente. Todos os anos, a racionalidade da máquina administrativa e o controle entre o que se arrecada e o que se gasta são colocados em discussão. É um dado que interessa a todos, tanto ao setor produtivo, que busca expandir seus investimentos, quanto à população, que sente os reflexos disso no dia a dia.
Para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que o ciclo entre o que se arrecada e o que se aplica em políticas públicas ocorra sem interferências ou obstáculos, como a sonegação fiscal. Essa prática, que consiste em esconder dos órgãos competentes as informações fiscais com o objetivo de pagar menos impostos, tornou-se um desafio para as autoridades.
Enquanto a corrupção desvia recursos dos cofres públicos, a sonegação ocorre numa etapa anterior: impede que o dinheiro chegue aos cofres do Estado. Trata-se de um crime grave, com potencial de afetar não só a economia, mas atingir a qualidade e o alcance das políticas públicas. Uma verdadeira chaga social.
Com o objetivo de aplacar esse problema, quatro instituições se uniram para aperfeiçoar mecanismos capazes de prevenir, detectar e combater a sonegação, na Paraíba. Esse trabalho envolve a Secretaria da Fazenda (SEFAZ), o Ministério Público da Paraíba (MPPB), a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Secretaria de Segurança e Defesa Social (SSDS).
A cooperação entre esses órgãos, que já existe há cerca de 9 anos, resultou na criação do Comitê Interministerial de Recuperação de Ativos (Cira), responsável pela recuperação de cerca de R$ 122 milhões nesse período, segundo a Sefaz. Já em março do ano passado, o trabalho ganhou um reforço, com a criação do Grupo Operacional de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf).
Formado por integrantes dos órgãos que compõem o Cira, o grupo tem como objetivo atuar nos crimes tributários e conexos, em todo o território estadual, resultando em um trabalho ainda mais integrado, que preserva a autonomia dos órgãos, mas proporciona que eles se complementem.
Sob a coordenação da promotora de Justiça Renata Luz, somente no primeiro ano de existência, o Gaesf conseguiu recuperar cerca de R$ 60 milhões em ativos, que haviam sido sonegados do seu destino final.
“Estamos sedimentados em um trabalho interinstitucional. O balanço que temos é de êxito total, com recuperação para o Estado, de dinheiro perdido, que jamais voltaria para os cofres públicos, de R$ 55 a R$ 60 milhões. Esses recursos foram encaminhados para as políticas públicas, como segurança, educação e saúde”, disse a promotora.
(ASSISTA AO VÍDEO ABAIXO).
O objetivo do Gaesf, nesse contexto, não é criminalizar a classe produtiva, encarada como locomotiva da economia, mas, a partir de investigações e demais diligências, separar o joio e o trigo, o que é honesto da prática desonesta, devolvendo para a sociedade recursos que serão aplicados em serviços essenciais para o bem-estar social.
“A sonegação é um crime gravíssimo, que atinge toda uma coletividade, que atinge quem precisa de segurança, eu e você, atinge quem precisa da saúde pública e da educação, impedindo que as políticas públicas sejam desenvolvidas”, destacou Renata Luz.
TRABALHO EM EQUIPE E INTEGRADO
A dimensão desse modelo de trabalho pode ser visto no prédio onde o grupo funciona, no bairro Cordão Encarnado, nas proximidades da Praça dos Três Poderes e do Centro de João Pessoa. É nesse local onde as investigações começam e a partir de onde os frutos podem ser vistos através das operações e em ações judiciais.
O prédio abriga a Gerência Executiva de Combate à Fraude Fiscal (GECOF) e a Assessoria Técnica de Inteligência Fiscal, da Sefaz; a Promotoria de Crimes contra a Ordem Tributária, ligada ao MPPB; a Delegacia de Crimes contra a Ordem Tributária, da SSDS, e o setor da PGE.
De acordo com o gerente-executivo de Combate à Fraude Fiscal da Sefaz-PB, Francisco Cirilo Nunes, toda a logística do local é pensada para proporcionar maior agilidade nas investigações e diligências.
“A gente começa a investigação aqui e conclui todo o processo aqui dentro, da investigação até a lavratura do auto de infração, da representação fiscal para fins penais, que emitimos e remetemos para a promotora. Ou seja, tudo que envolve a fiscalização, na fraude estruturada, nasce aqui e conclui-se aqui”, ressaltou.
Na prática, os órgãos trocam informações, expertise e conhecimento em cada área de atuação. O MP tem expertise na área jurídica, a Sefaz na área tributária, a delegacia no conhecimento investigativo e a procuradoria atua na aplicação da legislação. “Assim, a gente consegue enfrentar as fraudes estruturadas, que são empresas que se organizam para sonegar”, explicou Cirilo.
FORMAS DE SONEGAÇÃO
Segundo o secretário da Fazenda, Marialvo Laureano, um dos idealizadores do Gaesf, os sonegadores tentam driblar o Poder Público de diversas maneiras, o que requer também o aprimoramento do combate à sonegação. Os subterfúgios vão desde o subfaturamento de receitas, até a não emissão de notas fiscais, o não registro de funcionários e a superavaliação de despesas, entre outras.
A sonegação é definida pela Lei nº 4.729/1965, que em seu artigo I elenca uma série de práticas que configuram o crime: inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos; alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis; fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos, entre outras formas.
Na Paraíba, o Gaesf já desmantelou esquemas de sonegação através da criação de empresas fantasmas (de fachada). Nessa modalidade de crime, essas empresas de fachada, que são geridas por um quadro societário de pessoas interpostas (conhecidas por laranjas), compram e vendem produtos sem nota fiscal. O objetivo é burlar a lei e gerar concorrência desleal.
De acordo com o secretário, além da punição, o trabalho de combate à sonegação também tem um caráter pedagógico, pois as empresas envolvidas têm a oportunidade de ressarcir os cofres públicos antes do ajuizamento de uma ação penal. “O importante é o retorno à sociedade, que é muito grande. E o outro ponto importante é a questão da oportunidade, do empresário que foi responsável pelo crime de sonegação, que terá a oportunidade de parcelar esse débito e não ser acionado na esfera penal”, disse Laureano.
Depois de recuperados, os valores apreendidos passam por uma auditoria e em seguida são devolvidos aos cofres públicos. Eles são distribuídos para diversas pastas, como saúde, segurança, educação e desenvolvimento social. Na prática, os valores recuperados ganham o seu destino original: o bem estar social, que havia sido “usurpado” com a sonegação. De acordo com o secretário Marialvo Laureano, essa é a etapa mais importante do trabalho executado pelo Gaesf.
“Esses valores vão para os cofres públicos e aí entra no orçamento de políticas públicas e obras estruturantes”, comentou.
Apesar da sonegação fiscal, que prejudica as receitas estaduais, a Paraíba tem conseguido manter o equilíbrio financeiro, de acordo com o Governo estadual, levando em conta a análise da agência de classificação de risco Standard & Poor’s Financial Services (S&P Global Ratings), que em 2023, pelo terceiro ano, concedeu o rating AA+ ao estado.
POLO DAS AMÉRICAS
Um exemplo de como os crimes ocorrem se deu, recentemente, com a deflagração da Operação Polo das Américas, em fevereiro deste ano. O objetivo foi o combate à sonegação fiscal praticada por um grupo empresas que atuam no ramo varejista de artigos de vestuário masculino.
De acordo com as investigações iniciadas pela Sefaz, uma das quatro empresas do grupo estava com inscrição estadual de contribuinte do ICMS na Paraíba cancelada, portanto, sem fazer os repasses devidos ao Estado, numa clara modalidade de sonegação fiscal.
O grupo empresarial foi alvo inicial de investigação da Sefaz, que contou com apoio da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado da Paraíba por prática, em tese, de crimes contra a ordem tributária. Somente nesse caso, foram aplicadas multas que giram em torno de R$ 2,8 milhões ao grupo.
DA SONEGAÇÃO PARA O PRATO
Como já dito, os recursos recuperados da sonegação fiscal voltam para os cofres públicos, em forma de benefícios para a sociedade. Em âmbito estadual, o programa “Tá na Mesa”, desenvolvido pela Secretaria de Desenvolvimento Humano, é um exemplo de política pública onde os impostos podem ser aplicados. A ação governamental atende a 147 municípios, com refeições que são adquiridas nos próprios restaurantes das cidades.
Ao preço de R$ 1,00 o prato, o programa foi instituído durante a pandemia da Covid-19, ganhando caráter permanente. É uma das ações que atende pessoas e grupos vulneráveis socialmente, com objetivo de garantir segurança alimentar e fomento às economias locais.
De acordo com a secretária Pollyanna Dutra, são 36.900 refeições diárias, representando um investimento de R$ 700 mil por mês. Para sua execução, o estado seleciona empresas do setor alimentício (restaurantes e similares) que desejavam fornecer as refeições, do tipo quentinha.
O programa também desenvolve a rede local de comércio, abastecimento e fornecimento dos municípios. “O Estado da Paraíba toca tudo isso com recursos próprios, do tesouro. É claro que entendemos que é uma medida que ameniza a fome, principalmente para os grupos vulneráveis”, explicou a auxiliar estadual.
Um exemplo acontece em Conde, no litoral sul do estado, onde o programa distribui 400 almoços diariamente. Uma das beneficiadas é a moradora Maria José, que encontrou no programa uma forma de melhorar sua qualidade de vida.
“O gás está caro, e como eu cozinho no carvão, [o programa] melhorou e muito [minha situação], pois só tenho o dinheiro do governo [através do Bolsa Família]. Então, para mim melhorou muito. Eu não compro nada com R$ 1 real, mas com esse valor já encho minha barriga aqui mesmo”, contou.
(ASSISTA ABAIXO).
Outro exemplo ocorre com a comerciante Silvaneide de Souza, vendedora de picolés. Ao blog, ela contou que almoça diariamente no restaurante parceiro do programa “Tá na Mesa”. “Como o gás está muito caro, estamos vindo para cá, porque a comida além de ser boa, custa apenas R$ 1 real”, confirmou.
INTEGRAÇÃO NA TECNOLOGIA
Outro ponto a ser levado em conta, no âmbito do Gaesf, é o aparato tecnológico empregado contra o crime. O secretário executivo da Fazenda, Bruno Frade, enfatizou que todo o processo de investigação ocorre com a ajuda de uma base de dados consistente, que subsidia as investigações e operações deflagradas em âmbito estadual.
O auxiliar estadual, que acompanha o trabalho das equipes desde o ano de 2013, quando exercia a função de auditor fiscal, disse que a evolução cooperativa e tecnológica é um caminho sem volta no combate à sonegação. O desenvolvimento de novos mecanismos é necessário porque as formas de fraude se tornam cada vez mais sofisticadas.
Por isso, as operações ocorrem em meio processos rígidos de investigação e contam com um aparato capaz de se antecipar e driblar as atividades criminosas em execução.
“Nossas bases se comunicam. Não basta tão somente saber quanto a empresa vendeu para um órgão público, mas é preciso saber quanto ela vendeu e se ela tinha capacidade para fazer esse fornecimento”, revelou o secretário.
O QUE ESPERAR DO FUTURO?
A criação do Gaesf, na avaliação de seus integrantes, representou um avanço no combate à sonegação fiscal, demonstrando aos fraudadores que o Estado não tolera o crime contra a ordem tributária. Mas, as limitações impostas pela atual legislação impedem que haja uma punição mais rigorosa contra os infratores.
Parte significativa dos casos se “encerram” quando os sonegadores pagam ao Estado o imposto devido, conforme prevê a legislação atual, sem punições mais rígidas que possam servir de exemplo. Depois que devolvem aos cofres públicos os recursos, os investigados são liberados, na maioria das vezes.
“Avançamos muito, mas o Brasil ainda precisa avançar muito mais, pois o que pesa e o que incentiva a essas práticas é o fato de a legislação extinguir a punibilidade com um pagamento, então é algo que precisa mudar, precisamos nos unir, mudar a legislação para combater a prática”, opinou Karina Torres, delegada dos Crimes contra a Ordem Tributária.
Para a promotora Renata Luz, as ações do Gaesf vão avançar, em resposta às ações criminosas que atentam contra a ordem tributária. “Na Paraíba o Estado é organizado e eficiente. Estamos atuando, estamos na ativa, investigando, descobrindo e punindo. Eram pessoas acostumadas a desviar esse dinheiro para o patrimônio delas e ficar impune. Isso hoje não acontece mais.”, finalizou.
Agenda Política – Felipe Nunes